terça-feira, 6 de abril de 2010

A Academia Politécnica nos anos 80 (do séc. XIX)

[Hemeterio Arantes, Mundo de Cristo, cit. in O Tripeiro, ano IX, pág. 273]


Quando, um dia destes, um amigo querido e professor ilustre me levou até à Faculdade de Ciências, onde deveres do cargo chamavam a sua presença, devo confessar que não foi sem certa comoção que penetrei no átrio do edifício que foi outrora, há uns bons 45 anos [este artigo foi escrito em 1929] a Academia Politécnica do Porto.

Entrei, ali, como quem entra num mausoléu... rico, pois que quando eu entrava diariamente naquela casa, por uma porta escusa que enfrentava o Mercado do Anjo, essa casa seria, quando muito, um casarão - bem desgracioso e pobre - para templo da ciência. Nela se albergavam, a um tempo, a Academia, o Instituto e o Colégio dos Meninos Órfãos. Estes meninos nunca os encontrávamos no nosso caminho e, apenas, eclesiasticamente vestidos, nalgum enterro, cujos ofícios se celebravam, com estrondo, ou na Lapa, ou na Trindade; depois sumiam-se, até que de novo fossem chamados a dar pompa aos fúnebres obséquios que. por alma do morto de importância social e monetária, se realizavam no Carmo ou em S. Francisco.

No edifício, e do lado posto ao Anjo, tinha-se estabelecido o Café do Chaves[1], onde nos reuníamos nos intervalos das aulas, excepto quando se tratava da aula de Botânica, porque, então, enquanto o professor (venerando velho, que por usar a cara rapada absolutamente escanhoada era chamado o Padre Sales e ele, por sinal era almirante) prelecionava, todos nós, menos três ou quatro que ficavam de plantão, serenamente íamos jogar o solo para o Chaves. Às vezes, as partidas eram subitamente interrompidas por este grito de desolação: - O Padre Sales mandou tirar segundo ponto! Tudo, de roldão, se precipitava na aula (que ficava perto) atrás do contínuo e quando este declarava que estávamos todos, Padre Sales abafava uma risadinha irónica no lenço de Alcobaça e nós, de novo, com a mesma serenidade e desvergonha, seguíamos em bicha atrás do contínuo a reatar a partida interrompida.




[1] No rés-do-chão, o edifício tinha “lojas de abóbada”, que eram alugadas.

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